A existência do crime de
submeter alguém a condição análoga a escravo, previsto no Art.149 do Código
Penal Brasileiro, quanto a obrigação de garantir os Direitos Trabalhistas,
previsto em toda a Consolidação das Leis Trabalhistas, não são coisas novas e
desconhecidas, não podendo o proprietário de empresas que utilizam mão de obra
escrava argumentar de seu desconhecimento sobre o tema, e que são na maioria
das vezes pessoas com alto grau de escolaridade e com grande apoio jurídico e
financeiro.
Além das leis já previstas
na legislação brasileira, há inúmeros acordos e convenções internacionais que
tratam da escravidão contemporânea, sendo tratadas principalmente nas
convenções 29 de 1930 e 105 de 1957, todas ratificadas pelo Brasil.
A convenção de 29 de 1930
dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas suas
formas, admitindo algumas exceções de trabalho obrigatório, como o serviço
militar e em casos de emergências, como guerras e desastres naturais; Já
convenção 105 de 1957 é a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, a qual
se proíbe toda forma de trabalho forçado como meio de coerção ou convencimento político.
Essas duas convenções
citadas anteriormente foram reconhecidas por quase toda a comunidade
internacional, recebendo o maior número de ratificações dentre todas as convenções
realizadas pela Organização Internacional do Trabalho.
É possível citar também a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de
1969: ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatários firmaram um
compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas.
Já na legislação
infraconstitucional, a principal lei sobre o trabalho escravo é previsto no
Código Penal Brasileiro de 1940 em seu Art.149 que define o crime de redução à
condição análoga de escravo:
Art.
149. Reduzir
alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,
quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além
da pena correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre
quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio
de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no
local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de
metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou origem (BRASIL, 1940).
O crime é realizado quando o agente reduz a vítima
à condição semelhante à de escravo, tornando a mesma totalmente submissa à
vontade de outra pessoa. A conduta é impossível
de ser praticada em por meio de omissão ou culpa, porém admite-se a tentativa.
Diante o exposto, se torna clara a tipificação
penal de sujeitar alguém a um estado de submissão absoluta, impedindo sua
liberdade e reduzindo sua condição a de objeto, sendo o julgamento do crime de
redução a condição análoga de escravo pertencente à maioria das vezes à Justiça
Federal, por advento do informativo nº 450 do Supremo
Tribunal Federal:
Crime de Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência - 2
Em conclusão de
julgamento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário
para anular acórdão do TRF da 1ª Região, fixando a competência da justiça
federal para processar e julgar crime de redução a condição análoga à de
escravo (CP, art. 149) - v. Informativo 378. Entendeu-se que quaisquer condutas
que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam,
coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem
trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção
máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho,
se praticadas no contexto de relações de trabalho. Concluiu-se que, nesse
contexto, o qual sofre influxo do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, informador de todo o sistema jurídico-constitucional, a prática
do crime em questão caracteriza-se como crime contra a organização do trabalho,
de competência da justiça federal (CF, art. 109, VI). Vencidos, quanto aos
fundamentos, parcialmente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, que davam
provimento ao recurso extraordinário, considerando que a competência da justiça
federal para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de
escravo configura-se apenas nas hipóteses em que esteja presente a ofensa aos
princípios que regem a organização do trabalho, a qual reputaram ocorrida no
caso concreto. Vencidos, também, os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso e
Marco Aurélio que negavam provimento ao recurso.
RE 398041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.11.2006. (RE-398041)
RE 398041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.11.2006. (RE-398041)
Desta forma, o Supremo
Tribunal Federal entendeu que será da Justiça Federal a competência para julgar
crime de redução a condição análoga à de escravo nos casos em que haja ofensa
aos princípios formadores da organização do trabalho.
Sobre o tema, cita-se também
os julgados do Superior Tribunal de Justiça:
CONFLITO
DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. - Nos termos da jurisprudência firmada nesta
Corte e no Supremo Tribunal Federal, compete à Justiça Federal processar e
julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo, pois a conduta
ilícita de suprimir dos trabalhadores direitos trabalhistas constitucionalmente
conferidos viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como todo o
sistema de organização do trabalho e as instituições e órgãos que o protegem.
Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11ª Vara da
Seção Judiciária do Estado de Goiás, ora suscitado.(STJ - CC: 132884 GO
2014/0056244-2, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO
TJ/SE), Data de Julgamento: 28/05/2014, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de
Publicação: DJe 10/06/2014)
CONFLITO DE
COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE
ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É
CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA. TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Para configurar o delito do art. 149 do
Código Penal não é imprescindível a restrição à liberdade de locomoção dos
trabalhadores, a tanto também se admitindo a sujeição a condições degradantes,
subumanas. 2. Tendo a denúncia imputado a submissão dos empregados a condições
degradantes de trabalho (falta de garantias mínimas de saúde, segurança,
higiene e alimentação), tem-se acusação por crime de redução a condição análoga
à de escravo, de competência da jurisdição federal.
(STJ - CC: 127937 GO 2013/0124462-5,
Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 28/05/2014, S3 - TERCEIRA
SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 06/06/2014)
Porém,
a lei ainda é bastante inócua e ineficiente em relação a efetiva aplicação e
inibição da prática de exploração de mão de obra, sendo a sanção penal
insuficiente, visto que menos de 10% dos envolvidos em trabalho escravo no
sul-sudeste do Pará, entre 1996 e 2003, foram denunciados por esse crime,
segundo o relatório do OIT denominado Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI.